Como o capitalismo faz você detestar o seu corpo
E como eu me salvo diante desse cenário
4/9/20255 min read


O capitalismo é um sistema econômico baseado no lucro, na acumulação de riquezas e na propriedade privada dos meios de produção. À primeira vista, parece que somos livres para escolher e consumir o que quisermos. Mas será que essa liberdade é real?
Vivemos imersos em um sistema que impõe padrões de beleza, comportamento e consumo de forma constante e silenciosa. As grandes marcas, que lucram explorando pessoas e recursos, criam necessidades artificiais. Elas vendem desejos que não nascem de nós, mas são cuidadosamente construídos para manter o ciclo de consumo girando.
Capas de revistas, propagandas, vitrines e redes sociais nos bombardeiam com imagens de corpos “ideais” — magros, jovens, sem manchas, sem marcas, sem “imperfeições”. O problema é que esse padrão é, na maioria das vezes, inalcançável, como sabemos. Ainda assim, somos levados a acreditar que só seremos aceitos — e amados — se nos aproximarmos dele.
Naomi Wolf, no livro O Mito da Beleza, descreve como a opressão estética se tornou um novo campo de dominação. Quando as mulheres começaram a conquistar mais espaços no mercado de trabalho, no direito ao voto e na vida pública, surgiu com força o culto à beleza como forma de controle. O ideal de beleza passou a ser não apenas estético, mas político — um mecanismo de distração, de exaustão emocional e de autoanulação. Wolf aponta que o "padrão" serve para manter mulheres inseguras, ocupadas demais tentando se ajustar e, assim, menos focadas em suas próprias liberdades.
Enquanto isso, a cada nova coleção, roupas são apresentadas como itens indispensáveis, reforçando a ideia de que precisamos sempre de algo novo para sermos alguém. Produtos emagrecedores prometem resultados rápidos machucando seu corpo. Tratamentos estéticos vendem a ilusão de transformação, e tudo isso reforça a narrativa de que o nosso corpo, da forma que é, não é suficiente.
Vou contar um caso pessoal e nunca falado por mim. Eu fui uma mulher que nunca gostei do meu corpo, pois fugia do padrão - tenho curvas robustas, peitos fartos, coxa grossa. Já me machuquei muito tomando sibutramina, onde meu sono era totalmente prejudicado. Injetei Ozempic, que tirou minha disposição e dinheiro - e sinto dor até hoje do lado direito da barriga pelas 10 injeções que me agredi. Sem contar as diversas dietas que fiz, mas mesmo assim eu estava sempre me punindo, por não conseguir chegar aonde queria ou me culpando por não ter sido mais disciplinada. Quem eu queria ser? E por que?
O consumo inconsciente de tratamentos estéticos e da lógica da moda (fast fashion) tem consequências diretas na vida das mulheres — especialmente das mais jovens. Cirurgias plásticas em adolescentes têm crescido ano após ano, impulsionadas por filtros de redes sociais, influenciadoras e comparações constantes.
Eu ouvi um dia “meu nariz é feio, é grande e pra baixo. Estou louca para fazer uma cirurgia”, disse uma menina de 11 anos. A busca por atender a padrões estéticos irreais tem levado a consequências trágicas, especialmente entre adolescentes. Embora casos específicos sejam frequentemente mantidos em sigilo por respeito às famílias, há relatos preocupantes de jovens que enfrentam sérios problemas de saúde ou até perdem a vida devido a procedimentos estéticos arriscados ou dietas extremas na tentativa de alcançar o "corpo ideal". Esses incidentes ressaltam a necessidade urgente de questionar e redefinir os padrões de beleza impostos pela sociedade.
Procedimentos como preenchimentos, harmonizações e lipoaspiração são vendidos como "autocuidado", mas muitas vezes nascem da insegurança alimentada por um mercado que lucra com a nossa insatisfação. Além dos riscos físicos e psicológicos, há uma padronização dos corpos e dos rostos que mina a diversidade e fortalece a exclusão.
No Brasil, os gastos com produtos e serviços de beleza refletem a pressão estética enfrentada pelas mulheres. De acordo com uma pesquisa realizada pela Koin, 53,7% dos brasileiros investem entre R$ 151 e R$ 350 por mês em produtos de beleza. Outro estudo aponta que as mulheres gastam, em média, R$ 100 mensais com beleza e estética, sendo que nas classes A e B esse valor sobe para R$ 117, enquanto na classe C é de R$ 69. Além disso, uma pesquisa revelou que mulheres chegam a gastar 54% de seu salário com cuidados estéticos, enquanto os homens destinam menos de 1% para esse fim. Esses números evidenciam a desigualdade de gênero e a pressão desproporcional exercida sobre as mulheres para atenderem a ideais de beleza muitas vezes inatingíveis. Sem contar o tempo que perdemos estando ocupadas nessa busca insana.
O capitalismo se disfarça de liberdade. Oferece prateleiras repletas de escolhas, mas todas seguem o mesmo roteiro: consumir por consumir, gastar por impulso, acumular por carência, ser quem você não é. E enquanto isso, seguimos empobrecendo — financeiramente, emocionalmente e espiritualmente. A saúde se deteriora, o meio ambiente é destruído, animais são explorados, e trabalhadores seguem mal remunerados.
Você é livre nesse cenário?
Duvida da sua beleza, questiona sua origem, consome compulsivamente em busca de algo que não pode ser comprado, acumula coisas que não usa... e, no fim, ainda se culpa por não ser feliz.
Tudo isso é reflexo de um sistema que nos encaixota, nos esmaga com exigências irreais e nos desconecta daquilo que realmente importa: nossa saúde, nossa cultura, nosso bem-estar coletivo.
O consumo consciente é importante, mas insuficiente. É preciso ação política, mudanças estruturais, políticas públicas que nos libertem desse ciclo doentio.
Use as redes sociais com responsabilidade. Siga pessoas que contribuem para o seu bem-estar, que respeitam sua história, que promovem saúde mental e questionam o sistema.
Nós, mulheres, sofremos profundamente com essa pressão estética. Pode até parecer invisível, mas é carnal quando nos atinge.
E toda essa reflexão me faz pensar: sou livre para ser quem eu gostaria de ser?
[ainda bem que muitas mulheres já estão falando sobre isso, conscientizando umas às outras]
E quem sou eu hoje, depois de refletir tanto sobre o que me ensinaram a sentir em relação ao meu corpo?
Sou alguém em processo, em construção, mas com uma certeza: não quero mais viver em guerra comigo mesma. Cuido do meu corpo de dentro pra fora, me ouvindo com mais gentileza, respeitando o que é prioridade e o que é só ruído externo. Me exercito durante a semana como quem honra o próprio ritmo — e aos fins de semana, escolho o leve: uma caminhada ao sol, uma pausa, um filme debaixo da coberta se a chuva cair. Aprendi a não ser radical comigo, mas a me priorizar.
Se quero comer um chocolate, eu como. Se quero uma pizza inteira só pra mim, tudo bem também. Não me culpo. Me respeito. Sou dona do meu corpo e das minhas escolhas. Visto o que me faz sentir bonita, confortável, viva. Leio o que alimenta a alma, sigo quem me inspira e não quem me faz duvidar de mim. Aos poucos, nesse garimpo cuidadoso, a gente vai se acolhendo — um passo de cada vez — e construindo um espaço onde cabemos inteiras, com todas as nossas fases, curvas, dúvidas e certezas.
Hoje, eu não me machuco mais. E desejo profundamente, quase que uma utopia, que nenhuma de nós precise mais se ferir para se sentir parte. Que sejamos livres como somos. E que essa liberdade venha com afeto, presença, e escolhas que partam do amor — não da falta.

