Dividir a vida a dois – Um amor verdadeiro

É mais possível do que se imagina. Mas não está ao alcance de qualquer um

ESCRITAS

4/7/20255 min read

Sempre li que a gente encontra, ao menos uma vez na vida, um amor verdadeiro. Parece bobo lendo assim. Soa utópico diante de tantas narrativas lidas e ouvidas sobre não idealizar um amor. Ou depois de assistir a filmes e ler livros românticos e, ao terminar, vem aquele suspiro incrédulo: “até parece que é fácil assim”.

Por que estamos tão incrédulas quanto à conquista de um amor de verdade? Eu arrisco dizer que muitos temem um amor verdadeiro — isso porque ele requer trabalho, exige de nós. Arrisco ainda mais ao dizer que nem todos estão prontos para um amor assim.

Bem, o que eu sei sobre um amor de verdade? Quase nada, mas sei que não há forma certa, não há um padrão — ele simplesmente existe. Ele brota onde houver uma terra estabelecida e fértil para esse plantio. E só floresce quando há energia mútua para fazê-lo surgir e crescer. Amar dá trabalho, exige tempo, exige olhar, exige verdade.

Vou compartilhar com vocês três coisas que aprendi neste último ano sobre a conquista de um amor verdadeiro. Amor é sorte?

Lição #1 – Ouvir profundamente o outro e a nós mesmas
Num amor verdadeiro, a paz habita em todos os seus cômodos. Está na intimidade do quarto, na liberdade da cozinha, na privacidade do banheiro, na rotina da sala. Amor é aquele olhar sereno e coração calmo. É quando existe um equilíbrio mútuo entre as almas que escolheram estar juntas. Amor é escolha. Amor é respeito e entendimento holístico no ato de saber ouvir — escutar todas as sílabas que o outro diz. Todas as palavras ditas são fecundas; tenho pra mim que são elas que mostram como florir um jardim a dois. Cada palavra é verbosa aos ouvidos de quem sabe amar.

Eu ainda estou me acostumando a falar, mesmo que numa conversa despretensiosa, sobre as minhas tristezas, medos e anseios. Estou ainda aprendendo, junto com a minha namorada, sobre os medos que não nos pertencem mais. Naquela mesa — seja num jantar ou com um copo de cerveja coadjuvando nosso diálogo — nossos monstros podem sair. Eles podem não ir embora, mas jamais ficarão em nosso caminho. Aquele medo, que tanto temia, já não é um impedimento, porque fui ouvida com ouvidos atentos e dispostos a construir algo novo em mim. Amor é ser ouvida — e fazer disso uma escuta profunda, para construir um teto fértil.

Ouvir é diferente de escutar. Escutar atenciosamente é se retirar do seu mundo individual e mergulhar no mundo do outro. É também saber nadar nessa profundeza ofertada, afastando o nosso falso self. Segundo bell hooks, no livro “Tudo sobre o amor: novas perspectivas” - uma grande inspiração para essa escrita-, ela acredita que a gente cria um self para mostrar ao outro — muitas vezes, um eu falso, uma performance para parecermos mais atrativas, sensuais ou interessantes. Afinal, carregamos a ideia de que ninguém poderia nos amar como realmente somos.

Desconstruir esse eu personalístico é se entregar ao olhar do outro, sem receio. Claro que temos diversos receios, e alguns são imbatíveis. Mas quando mostramos quem realmente somos e somos ouvidas por inteiro, damos um passo para que o amor verdadeiro reine no relacionamento — pois significa que ali existe um chão firme para acolher e doar o que o outro necessita.

Lição #2 – Saber ler o outro
Um amor de verdade é quando a gente deixa tudo o que aprendeu do lado de fora e, ali, dentro de casa, aprende novamente quem é o outro — e quem somos, a partir de agora. É preciso deixar quem somos um pouco de lado ao olhar o outro a partir da necessidade que ele nos entrega, assim como fazemos ao ouvir.

Quando digo “deixar tudo o que aprendemos do lado de fora”, não estou dizendo para deixar de ser quem você é, mas sim para olhar para o outro através das lentes que ele te oferece. Você sabe ler quem está ao seu lado?

Quando vivemos autocentradas, perdemos o que está ao nosso redor — e essa persona quase narcísica nos consome, impedindo-nos de acessar o outro de forma empática e gentil. Se lá fora aprendemos que reclamar é feio, aqui dentro precisamos entender de onde vem esse reclamar, por exemplo.

Num amor verdadeiro, aprendemos a olhar o outro e a nós mesmas. Deixamos sinais o tempo inteiro — em atitudes, palavras, símbolos do cotidiano. Isso já é coisa pra caramba (ou deveria ser)! O carinho de observar seus detalhes, a atenção de ouvir calada, a quietude de acariciar seus desejos, a paz de acalmar seus pensamentos, a liberdadede de deixar o outro ser — tudo isso é uma experiência maravilhosa quando queremos, de fato, construir algo saudável a dois.

Por isso, é preciso estar atenta ao outro o tempo todo e perceber com que corpo ele responde.

Se algo me intriga, o outro desmancha.
Se algo me desconforta, o outro me abraça.
E assim vamos construindo um novo eu, e o nosso nós.

Outra coisa que acho bonita no amor de verdade é o poder de cura que o outro tem. Posso ter me machucado — no passado ou no presente — mas essa pessoa me ajuda a superar sem nem saber. Ela também ama meu lado dolorido, frágil. Somos mais pujantes quando respeitamos o outro em sua completude.

Ali somos só nós duas — e as mil coisas que um amor exige. Não deixo de ser quem sou, mas também não interfiro em quem ela realmente é. É sobre ler o outro através das lentes dele. Ao amar alguém, fazemos o outro existir dentro de nós — e dentro dele mesmo. É uma força de mão dupla. E tem que ser assim.

O analfabetismo do outro não se sustenta num amor verdadeiro.

Lição #3 – Saber o que é paz pra você
O amor habita na paz. É preciso frisar que o que é paz pra mim pode ser diferente do que é paz pra você. Paz é o carinho no silêncio, o respeito a esse silêncio. É quando seu coração se acalma e, mesmo diante da tristeza, ele sabe que será abraçado. Paz é se abrir e não se fechar diante do outro; é ser livre para sentir, ser ouvida e observada com amor. Paz é tudo que apazigua o que te perturba.

No fundo, todo mundo sabe o que é paz pra si. Mas por que muitas pessoas não a encontram? Eu, por exemplo, já achei que estava num amor de verdade — mas me enganei. Talvez tenha me enganado diversas vezes. Faz parte da vida. Aprender o que é paz pra você, às vezes, leva vidas. Mas hoje eu sei que é maravilhoso sentir paz dentro de um amor.

Quando não questionamos o que sentimos, sempre achamos que o outro é pra sempre. Se você se questiona demais sobre uma relação, sobre o comportamento ou a ausência do outro, ou se carrega algo mal resolvido que constantemente traz guerra, ansiedade ou raiva, isso pode ser um sinal de alerta. Se existe um corpo estranho habitando em você, desconfie. O corpo dá sinais o tempo todo.

O que é amor pra você?
O que é paz pra você?
Encontrar a paz dentro de si é encontrar a paz dentro de um amor verdadeiro.

Quando encontrar a paz dentro de você, logo vai perceber — seu corpo vai sentir. E, num ato involuntário, sairá um sorriso satisfeito, um suspiro profundo, uma liberdade. Não será preciso se defender, nem se preocupar tanto.

Quando encontramos a paz a dois, nada será montanha. Tudo se dissolverá como poeira no ar, afinal, os dois estão dispostos a resolver, a ouvir e a enxergar o outro.

Paz é entendimento, conciliação. É estar onde sempre se quis estar.

O que é uma amor de verdade pra você?