Ela é ela | Cabelo bagunçado
Caos é presença, é vida.
POESIAESCRITAS
6/25/20252 min read


Quanto mais o cabelo bagunçado
mais ela é ela
Vejo a prender de forma despretenciosa
sem destino
Ela enrola, enrola
a forma pechosa que se instala
fica irreprovável
Ela não se importa com os fios agitados
nem com algumas madeixas de fora
Ela é ela
trocou aplausos por raízes
e quanto mais desalinhada
mais presença
Ela é ela
Mais livre
Mais inteira
Mais viva
E isso basta. Basta.
[ser perfeitamente imperfeita é uma liberdade]
Este ato — prender o cabelo sem se importar com o resultado esperado — traz em si uma liberdade de resistência. O cabelo, símbolo de feminilidade domesticada, quando livre e desordenado, revela uma mulher que não quer agradar, quer apenas ser. “Quanto mais o cabelo bagunçado…” é um rompimento com essa prisão simbólica. Essa mulher é quase uma retomada de si mesma — e não para o olhar do outro.
“Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.”
— Clarice Lispector
Clarice dizia que o caos a fascinava mais do que a ordem. E talvez um cabelo bagunçado seja isso: um símbolo de desordem assumida, um desejo de abandonar o controle, a vaidade imposta — e, ainda assim, gostar de si mesma. Quando tentamos agradar a todos, seguir padrões estéticos e sociais — ainda uma realidade, já que nos foi imposta por séculos e se encontra enraizada, de forma silenciosa, dentro de todas nós, mulheres — estamos fugindo da vida real, que é imperfeita, mutável, bagunçada… fora de controle.
Estar com o cabelo desalinhado — e aceitar isso, sem se importar com o espelho ou a aparência constante — é a forma mais nua e crua de estar consigo mesma, de presença e entrega à autenticidade.
Esse cabelo bagunçado é também um ato político. É não se deixar definir. É escolher existir sem essa máscara da perfeição. Mas… a gente basta?
Por mais difícil que pareça, o caminho é tempestoso — porém libertador. É onde você respira calmamente, se concentra no estar, e se aceita como está. Quero deixar meu cabelo bagunçado. Quero me vestir confortável sem ser objeto de desejo. Quero sair sem maquiagem — mesmo que esteja com a pele machucada.
Quero ser vista como verdade. Não me encolho, não me escondo. O desalinho vira brilho, contagiando as observadoras como eu. Afinal, a gente não tem que seguir nada!
No fim, o cabelo bagunçado não é só uma estética — é um estado de espírito. Um apontamento de que a vida, quando bem vivida, não pede aprovação — só presença. E quem valoriza o contrário, isso diz mais sobre o outro do que sobre você.
Ela é ela.
Mais livre.
Mais inteira.
Mais viva.
E isso basta. Basta.